
Zé da Mininha
Antes de iniciar este post, sugiro a tod@s, a releitura de crônica anterior:
“Dialogando com meu cavalo”
https://www.agazetadelavras.com.br/dialogando-com-meu-cavalo/
Zé da Mininha foi um empregado que tive lá no meu sítio em Ijaci/MG, na década de 80.
Sujeito trabalhador, educado e de muita confiança. Nunca tive nada a reclamar dele. Pontual, cuidadoso e sempre muito tranquilo. Até a conversa dele era diferenciada, por ser reverente e agradável.
Uma de suas tarefas diárias era cuidar dos meus animais (um cavalo, uma égua e uma potranca). Cabia a ele: picar o trato, raspar e escovar a pelagem, vermifugar, manter o curral limpo e asseado.
Enfim, providenciar todos os cuidados requeridos e necessários, inerentes a uma pequena tropa de três equídeos. E ele o fazia muito bem!!!
À medida que o tempo foi passando, desconfiei que o Zé estava conversando com os três animais, principalmente quando raspava e escovava a pelagem deles.
Quando arriava ou desarriava o cavalo, antes e depois de minhas costumeiras cavalgadas aos sábados, e mesmo quando, eventualmente, curava algum deles, parecia falar alguma coisa no pé da orelha do animal.
-Ô Zé, ando desconfiado de que você está conversando com meus cavalos. Tô certo??!! Tá mesmo??!!
Ele, surpreso, espantado, assustado, redarguiu de imediato:
-Qué isso Sô Gil!! Qué isso Sô Gil!! De jeito nenhum. O Sr. pode ficar “sussegado”, que num tô ficando loco, não!! Impressão sua!!
-Calma Zé, calma, calma!! Se você estiver conversando com os meus animais, para mim, não tem nenhum problema, até acho normal e muito bom, porque eu também converso com eles, sempre que posso.
-E tem mais, Zé. O meu cavalo, não só presta muita atenção no que falo, como também me responde!!! Bão de papo, esse cavalinho, sô!!
-Qué isso Sô Gil!! Qué isso Sô Gil!! O Sr. tá falando sério, ou só tá brincando cumigo??!!
-Tô falando sério, Zé!! Quando converso com o cavalo, ele presta muita atenção, e responde do jeitinho dele!! Tanto é que considero ele um amigão de confiança. Ele já conhece todos os segredos da minha alma!!
-E tem mais, Zé!! Também converso com os passarinhos, com os insetos, com as árvores, com as flores, com o sol, com a lua, com as nuvens, com o vento…. Na verdade, converso com tudo que Deus criou. Para mim, todos têm vida, até a terra tem vida!!!
-Qué isso Sô Gil!! Qué isso Sô Gil!! Fala sério!!
-Zé, quando eu cavalgo, vou cumprimentando tudo que encontro pelo caminho Dou graças a Deus, pela vida de cada um deles. Eu começo aqui em baixo, com os macacos sauás e com os miquinhos da bananeiras.
-Ah!! Então é por isso que o Sr. para de baixo da árvore da casa grande, e fica falando: uh!, uh!, uh! e depois assovia baixinho?? Sempre achei isso muito esquisito.
-É Zé, eu tô falando, bom dia!! macaco sauá, bom dia miquinhos.
-E reafirmo para eles, a alegria de vê-los em bandos livres e com saúde, e o meu compromisso com a proteção deles. Aproveito para dar Graças a Deus pelas obras da criação, e pela chance de contemplar tamanha beleza!!
Lá no alto do terreiro, eu paro embaixo da árvore que tem ninho de “João Graveto”, cumprimento a árvore, agradeço-a por abrigar a passarinhada, e congratulo-me com toda a ninhada do passarinho, desejando-lhes um bom dia, bem como, reafirmo minha admiração pelo magnífico ninho de gravetos, que nenhuma mão humana consegue fazer igual.
Quando o raio derrubou o jatobá do Elcinho, eu fui lá, ajoelhei-me diante do gigantesco tronco abatido, e chorei de tristeza. Mas agradeci a Deus pela vida profícua do jatobá. Depois, lembrei-me do raio e disse “in memorian“: -Eu te perdoo, porque você não sabe o que fez!!
Agradeci ao próprio jatobá, que durante muitos anos seguidos, recebeu minha infalíveis visitas sabatistas, para contemplações, deleite, meditações e orações, junto à natureza.
Diga-se de passagem, que, visitar o jatobá durante as cavalgadas, era como uma parada obrigatório. Árvore gigantesca, centenária, belíssima. Na verdade, era um mandamento, ir lá!!
Eu chegava, apeava à sua reconfortante sombra, abraçava o que conseguia da circunferência imensa de seu magnífico tronco, e dizia:
-Bom dia!! árvore amiga, que bom revê-la novamente, agradeço por receber-me mais uma vez, à sua generosa sombra.
O cheiro do mato nativo, perfumando o arfar de sua respiração extasiada. A sinfonia de centenas de pássaros canoros, propiciando uma orquestração especial única, para encantamento de seus ouvidos.
Em volta do jatobá, sempre cresciam ervas nativas, delicadamente floridas, que atraíam miríades de insetos garimpeiros de amor, néctar e pólen. Eu saudava a tod@s: árvores, brisa, sol, pássaros, ervas, flores e insetos.
Confesso que, os beija-flores eram um show à parte, e o coro das abelhas com seus zunidos pró ativos, uma canção celestial.
Maravilhoso, né??!! E eu desfrutava disso tudo semanalmente.
Mas num dia tempestuoso, uma raio desinformado, porém poderoso, atingiu o meu amigo jatobá em cheio, derrubando-o para sempre.
Contudo, o espírito ambientalmente correto de um guerreiro combativo como este jatobá, permanecerá em mim, para sempre. Mas antes de tombar, sei que ele cumpriu sua missão agroecológica.
Portanto, gratidão estimado, jatobá, obrigado!! pelas lições de beleza existencial, amor à vida saudável e à sustentabilidade!! Gratidão por hospedar tantas vidas e por tanto tempo.
E, gratidão, também, aos encantadores seres naturais que residiram na árvore, bem como em seu entorno, e que povoaram equilibradamente aquele abençoado espaço nativo, tais como: pássaros, insetos, plantas, joaninhas, formigas, grilos, borboletas, formando consórcios naturais equilibrados com a microbiologia do solo. Grato a tod@s!!
-À essas criaturinhas, digo ainda, cuidem-se bem, hem?! Cuidado com o desenvolvimentismo (que eu classifico como “delinquência socioambiental”) e com os desenvolvimentistas, estes arautos da desgraça ambiental, disfarçados de santíssimos cavaleiros da prosperidade econômica, e que dizem que vão gerar riquezas para o povo…
Mas, continuando o diálogo com o Zé da Mininha, encerrei o bate papo, reafirmando:
-Zé, se você conversa com os cavalos, parabéns!! porque você escolheu ótimos amigos para conversar.
-Da minha parte, vou continuar conversando e agradecendo tudo que tiver vida. Pode crer!!!
Percebi, desde então, que o Zé da Mininha continuou conversando com meus cavalos, porém, não mais tão discretamente. Inclusive, passou a cantar no pé-da-orelha dos animais, e eu percebi também, que os bichos generosamente, por acréscimo de misericórdia equídea, aprovavam, porque o Zé era bem desafinado, todavia, uma grande benção.
Gratidão,oh!! Senhor, pela vida do Zé da Mininha.
E encerro este texto, assim:
“E os que dançavam foram considerados loucos por aqueles que não ouviam a música”. Nietzsche
No próximo post, continuarei escrevendo sobre mais gente simples, que encantaram minha vida. Vem aí “D. Ana, Sô Bermiro e D. Barbina”.
Aguardem!!!
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