
As inseparáveis irmãs Toca e Tonha
Conheci as inseparáveis irmãs Toca e Tonha (soa Tôca e Tónha), no início da década de 80, e convivemos um pouquinho, na roça, até o final da década de 90.
A Tonha, irmã mais velha, chamava-se Antônia, ou Antônha para os familiares e conhecidos próximos, e finalmente, Tonha para tod@s e para sempre.
A Toca, irmã mais nova, pelo hábito de jamais tirar uma touquinha de pano da cabeça, desde criança, ficou conhecida como Toca para sempre. Dizem que ela até dormia com a tal da touca.
Eu mesmo, nunca vi a Toca sem a touca na cabeça.
Também, jamais vi a Toca sem a Tonha e/ou Tonha sem a Toca, e/ou vice-versa, para reforçar. Sempre, sempre juntas!!! E ninguém falava Tonha e Toca , mas, sempre, Toca e Tonha. Sei lá o porquê!! Eu aderi.
Elas permaneceram solteiras a vida toda, e quando a Tonha faleceu, a irmã Toca faleceu logo em seguida.
Acontece, que, neste período, eu tinha uma pequena lavoura de café em Ijaci/MG, com uns 4000 pés do tipo mundo novo, e em junho de cada ano, costumava reunir um seleto grupo de apanhadores, para fazer a colheita manual do produto.
Tanto a Toca como a Tonha, seguramente pesavam mais de 150 quilos cada uma, e eram de uma simpatia natural, inigualável, incomparável.
Tod@s gostavam muito delas, pela forma mansa e tranquila com que se comunicavam com as pessoas.
Durante a colheita, havia uma preocupação geral e solidária, quando qualquer uma delas pedia a escada, para apanhar o café da copa do cafeeiro.
Embora elas conseguissem subir apenas um ou dois degraus da escada, mesmo assim, a escada se vergava toda, e o medo que levassem um “tombaço”, assomava a tod@s @s demais apanhador@s.
A solução foi mandar construir uma escada reforçada só para elas, e mesmo assim, instruí-las a jamais tentar passar para o terceiro degrau e/ou degraus acima do segundo. O café do extremo da copa, passou a ser colhido por qualquer outro apanhador@, apto para tal procedimento.
Outra curiosidade, é que a Tonha dificilmente colhia mais que uma medida completa de sessenta litros por período diário de trabalho, e a Toca dificilmente passava de meia medida (trinta litros).
Mas, o mais curioso mesmo, era o “modus-operandi” das duas irmãs.
Naquela época, @s outr@s apanhador@s, iniciavam a “panha” por volta das 07h da manhã, e trabalhavam até por volta das 14h da tarde, quando iniciávamos a medição e recolhimento da produção para enviar ao terreiro de secagem.
Porém, a Toca e a Tonha, chegavam na lavoura pontualmente às 10h, esquentavam o almoço, almoçavam, descansavam um pouquinho, e só então, começavam as respectivas “panhas”, para encerrar às 14h, juntamente com @s demais apanhador@s.
Vocês já devem estar se perguntando, se valia a pena manter estas trabalhadoras tão lentas, tão improdutivas, por tanto tempo.
Para mim, valia muito a pena, tanto é que as mantive, e jamais as pressionei por horário ou produção ou outro motivo qualquer.
E tem mais, sem que elas soubessem (e ninguém sabia), eu arredondava a produção delas sempre para mais, e também, arredondava sempre para mais, a quantia ($$) que elas teriam o direito e deveriam receber.
Se eu quisesse, poderia arredondar tudo para menos, e elas nunca perceberiam, também!!
Elas simplesmente confiavam em mim, e eu achava isso lindo, lindo!! Uma pureza de alma sem igual, incomparável, inesquecível. Pessoas genuínas.
Um dia, fui pessoalmente à casinha que elas moravam nos arredores da da zona rural de Ijaci e fiz uma oferta:
-Toca e Tonha, como eu admiro muito vocês, quero lhes dar um presente especial. Quero pagar para vocês duas, uma viagem ao litoral, para conhecerem o mar. Será no fim de semana que vocês quiserem. Apenas sugiro Ubatuba, porque é mais fácil para mim ajeitar tudo.
Eu conheço um hotel bem próximo à praia que é muito seguro. Uma van virá pegá-las na sexta feira à noitinha. Vocês terão o sábado e o domingo todinhos para aproveitar o passeio. Não terão despesas nenhuma, porque eu vou pagar tudo, até mesmo algumas roupas que vocês quiserem comprar para a viagem. E tem mais, poderão levar um parente como acompanhante, também.
Elas olharam-se longamente entre si, e eu compreendi que estavam dialogando com os olhos. E finalmente a Tonha falou:
-Nóis agradece muito, mas nóis não pódi aceitá.
-Por quê??!! retruquei surpreso. Vocês não terão nenhuma despesa. Não terão que me pagar nada. É um presente meu, especial para vocês duas, pela ajuda na “panha” todos esses anos e pela confiança em mim depositada, ao não conferirem os acertos de contas.
-Nóis agradece muito, mas nóis não pódi aceitá.
-Mas por quê??!!
-Nóis nunca foi prá lugar ninhum. Porque nóis tem medo de sair daqui
E permaneceram irredutíveis. E eu desisti.
O jeito foi continuar arredondando para mais, a produção e o pagamento, agora um pouquinho mais que o usual, sem que elas continuassem sabendo, e agradecer a Deus, por ter permitido conhecer pessoas tão simples, tão humildes, tão genuínas, tão desprendidas.
Gratidão Senhor!!
E elas continuaram chegar na lavoura às 10h. Esquentar o almoço. Almoçar. Descansar. Apanhar café até às 14h e não conferir nada, absolutamente nada.
Anota aí:
“Panha” da Toca: 25 litros. Anotado: 30;
“Panha” da Tonha”: 55 litros. Anotado: 60.
Cálculos para pagamento:
Toca: ($). Pago: ($+%);
Tonha: ($$). Pago: ($$+%).
“Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, por vossas misérias, que sobre vós hão de vir.
As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão comidas de traça.
O vosso ouro e a vossa prata se enferrujaram; e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e comerá como fogo a vossa carne. Entesourastes para os últimos dias.
Eis que o jornal dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras, e que por vós foi diminuído, clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos exércitos.
Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos corações, como num dia de matança. Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu.
Sede pois, irmãos, pacientes até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia“.
(Tiago 5. 1×7).
Atualmente eu repito com convicção:
Gratidão oh!! Senhor, por ter permitido-me conhecer a Toca e a Tonha.
Imensa gratidão!!!
E no próximo post, continuarei escrevendo sobre mais gente simples, que encantaram minha vida. Vem aí “D. Ana, Zé da Mirinha, Sô Bermiro e D. Barbina”.
Aguardem!!!
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