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Meu pai comprou um terreno. Nascia um agricultor familiar socioambientalista apaixonado e voluntário  (Primeira parte)

 

Há tempo alimento o desejo de escrever sobre os incríveis anos sessenta. Iniciarei uma série de relatos, coligados com um evento pessoal marcante, que mais tarde definiria o início do meu interesse pela questões socioambientais sustentáveis e trabalho voluntário, ou mais precisamente, as “Tecnologias Socioambientais Sustentáveis da Agroecologia” e suas correlações integradas com a natureza, em seus Ecossistemas, Biomas e respectivas Biodiversidades. 

Aconteceu, que, meu saudoso pai, lá por volta de 1963 (não me lembro o mês), entrou casa a dentro e anunciou, retumbantemente:
-Comprei um terreninho lá no “Vale Encantado”. Fica ao lado do “Lago das Figueiras”. O Dr. Erlindo Salzano facilitou o pagamento, porque quer movimentar aquela região, que está muito abandonada”. O terreno mede uns 100 por 150 metros, e ainda não tem nenhuma cerca. O Tunim (meu tio Antonio, irmão de meu pai) comprou também. O terreno dele é do lado do nosso, medindo uns 50 por 150 metros. 

Nessa época, eu era apenas um menininho, que gostava de andar descalço e sem camisa, e quando ouvi a notícia, lembro-me de que meu coração bateu mais forte. Terreno perto do “Lago“, no “Vale “Encantado“!!! Tum…tum…tum…tum…bate coraçãozinho!!!! Mas, por que tá batendo tanto??!! E só muito mais tarde, entenderia sobre emoções inatas que antecipam o futuro. 

Neste exato momento, em que estou escrevendo este texto, permitam-me parar de escrever…chorar um pouquinho de saudades…recordar… reviver rapidamente pessoas e fatos que se foram e não voltam mais, e voltar a escrever. Pronto, passou!!! Agradeço pela compreensão…Vida que segue…!!! 

Prezad@ leitor@, aqui vão algumas explicações:
Vale Encantado” era uma vasta área de cerrado leve, em minha querida terra natal: Porto Ferreira/SP. Caracterizava-se por ter dois lagos grandes e um pequeno. Um córrego estreito unia os dois lagos grandes, que ficavam a uma distância entre si de aproximadamente 2 Km, e nós o chamávamos de “Corguinho“. 

Havia também, entre os lagos grandes, um resíduo da Mata Atlântica original, que no passado, cobriu toda a área do vale do Rio Moji Guaçu, e deu abrigo aos índios paiaguás, do grande grupo tupi-guarani. 

Os paiaguás estão extintos e suas reminiscências podem ser visitadas no museu histórico e pedagógico: “Prof. Flávio da Silva Oliveira“, de Porto Ferreira. Tive o encantamento de conhecer e conviver pessoalmente com o Prof. Flávio e seu trabalho de historiador pedagógico, na região. Que belíssimo trabalho!! Justa homenagem, o museu receber o seu nome. 

Um dos dois lagos grandes, era conhecido por “Lago das Figueiras“,  devido a presença de duas figueiras nativas gigantes às suas margens. O lago menor, ficava a poucos metros deste, e era identificado por “Laguinho“. O outro lago grande era conhecido por “Lago do Dr. Erlindo“. 

Já nas décadas de 50 e 60, minha família costumava passar as tardes de domingo às margens do Lago das Figueiras, com autorização expressa do Dr. Erlindo, legítimo proprietário daquilo tudo.
Íamos todos no caminhão a gasolina do tio Tunim. A estrada era bem estreita e arenosa, ladeada por matagais de cerrado dos dois lados, em toda sua extensão, Mal chagava, já corria para mergulhar no Laguinho!! 

Creio que foi este hábito sistemático da tradicional família ferreirense Tavares, que na década de 70, daria origem ao projeto “Clube de Campo das Figueiras de Porto Ferreira“. O Clube de Campo das Figueiras é hoje uma realidade que impressiona pela beleza de suas instalações. Verdadeira atração turística!! Visitem Porto Ferreira. Visitem o Clube de Campo das Figueiras. 

Ora, se eu já amava aquela região por tudo que relatei, imaginem ter agora, um terreno próprio, no Vale Encantado, ao lado do Lago das Figueiras, pertinho do Laguinho!! Seria verdade??!! Bate bate coração!!

E para completar o êxtase infanto juvenil, descobri que o Corguinho passava dentro do nosso terreno. Meus Deus!! se for sonho, por favor, não me acorde. (pretendo escrever sobre as traíras que pesquei, ali). 

Era verdade mesmo!! Então surgiria uma grande paixão: ir de bicicleta (Hércules, importada) para a “chácara do meu pai“, todos os dias, após a escola. Criança, fazia isso sozinho, sem medo algum. Mesmo tudo deserto, descampado, absolutamente ermo!!

Primeira providência: fazer a cerca. Eu menino, ajudei a carregar moirões, na medida do possível, para minha idade.

Segunda providência: Capinar com enxada, toda área do terreno. Não capinei nadinha, mas ajudei a rastelar e fazer as leiras, na medida do possível, para minha idade.

Terceira providência: Plantar algumas laranjeiras e limoeiros. Não teria eu, nesse momento, me transformado em um agricultor familiar??!!

Mas, surge o primeiro grande problema: formiga saúva.
Em 24 horas, as formigas atacaram todas as mudas, as quais ainda nem tinham sido plantadas. Elas estavam acondicionadas embaixo de uma árvore arbustiva. As saúvas não pouparam nenhuma muda, que totalizavam cerca de 100 plantas. E agora??!! O que fazer??!!
Vi lágrimas nos olhos de meu pai… 

Mas seria exatamente este episódio, que faria surgir um apaixonado pelo socioambientalismo. Evidentemente, naquela época, eu nem imaginava essa terminologia. Somente quando vim para a ESAL(UFLA), em 1978, que encontraria a Agroecologia e suas propostas de Tecnologias Socioambientais Sustentáveis. 

Amor incondicional imediato…E, agora, encadeando o passado com o presente, e projetando o futuro, meu histórico fica explicado, encontro significado no meu presente, e sei o que quero para meu futuro. 

Tinha ouvido dizer que as formigas não conseguiam caminhar sobre fios de cabelos. Minha tia Cida (esposa do tio Tunim), tinha um salão de beleza e certamente cortava cabelo da mulherada. Eu sabia que ela varria e amontoava os cabelos cortados, todos os dias, em um canto do salão. Nunca soube a destinação deles, mas agora, estava pensando em destinação bem mais nobre. 

Arrumei um saco de estopa, pedi permissão para a tia Cida, ensaquei um punhadão de cabelos cortados, e fui… De bicicleta, levei tudo para o terreno. Teria sido minha primeira jornada agroecológica??!! 

Fiz chumaços de cabelos em torno dos troncos das pequenas mudas, amarrei-os com um pedaço de barbante e SUCESSO!!!
As saúvas não conseguiam ultrapassar os chumaços de cabelos amarrados nos caules das plantas. VITÓRIA… 

Cheguei a capturar saúvas bem grandes, para colocá-las inocente e maldosamente, sobre chumaços de cabelos nas minhas próprias mãos, só para me deliciar com a luta inglória de tentarem livrar-se da tortura de não sair do lugar. Depois, piedosamente irado, esmagava todas.Não poupava nenhuma. Nunca mais fariam meu pai chorar… 

Declaro para os devidos fins que, chumaços de cabelos amarrados em torno do caule das plantas, impedem o livre acesso de insetos cortadores, especialmente formigas, especialmente saúvas. 

Como primeira consequência econômica: evitam-se danos às plantas, que comprometeriam a sua produção e produtividade. Também evita-se gastos com formicidas. 

Como primeira consequência social: união da família, “parentes, amigos e fregueses”, para amarrar os chumaços, bem rapidinho, antes da ação dos insetos. E também, ninguém se envenena. 

Como primeira consequência ambiental: protegem-se pessoas, animais e plantas, em seus Ecossistemas, Biomas e Biodiversidades, ao evitar-se a utilização de venenos, pesticidas ou agroquímicos, e correlatos, disfarçados de inofensivos produtos autorizados pelos órgãos de fiscalização competentes. (competentes, hem??!! Uma ova) 

Por isso, afirmo “data-vênia” que esta foi minha primeira aplicação de Tecnologia Socioambiental Sustentável da Agroecologia.

Foi quando, nasceu sem saber, um futuro socioambientalista, que levaria a Agroecologia e suas Tecnologias Socioambientais Sustentáveis para o Brasil e inúmeros países do mundo!!!! 

Os programas de segurança alimentar para países pobres, com produtos da agricultura familiar, obtidos de maneira agroecológica, tornariam-se minha marca registrada.

Conheçam o “Projeto Vozes da África“:
https://www.agazetadelavras.com.br/projeto-vozes-da-africa/

Conheçam a “Página Universitária Extensionista“:
http://repositorio.ufla.br/simple-search?query=gilmar+tavares

“O rio que esquece sua fonte, seca e morre. O homem que nega suas origens não existe”. Ditado africano

Na próxima semana, continuaremos o assunto. Aguardem!!!

 

 

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