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III-Meu pai comprou um terreno. Nascia um agricultor familiar socioambientalista apaixonado e voluntário  (Terceira parte)

 Retornando ao meu terreninho dos anos 60/70, agora chamado de “Chácara do Tio João“, ou simplesmente “chacra“, no Vale Encantado, perto do Lago das Figueiras, e cortado pelo Corguinho. Bom demais…
Neste retorno, fico matutando: já pensaram se, naquela época, fosse possível conhecer-se a “Agroecologia” e suas tecnologias socioambientais sustentáveis??!!
 

Já pensaram se soubéssemos que a “tiririca é uma planta residente e não invasora, que é uma benção e não, uma maldição? Em vez de combatê-la, deve-se cultivá-la! Pode-se inclusive comer seus tubérculos, que são, na verdade, alimentos completos.

Já pensaram se tivéssemos aprendido a produzir “formicida natural“?
Ingredientes: 50L de água; 10kg de esterco bovino fresco; 1Kg de melado ou açúcar mascavo.
Modo de Preparo: Misturam-se bem todos os ingredientes. Deixar em repouso durante uma semana, em local fresco e protegido. Coar em um pano.
Aplicação: Diluir a mistura na proporção: 1L da mistura para 10L de água. Aplicar dentro do formigueiro com o bico de um regador”.

Mas, não foi possível, não sabíamos e não aprendemos, então…a vida seguiu seu curso natural, como um rio em direção ao mar.
E sei lá, em que ano seguinte, as laranjeiras e limoeiros anunciaram a primeira produção de frutas. Foi quando meu pai apareceu com outra grande novidade: “engordar porco“. Sim, isso mesmo, criar e engordar porcos rústicos, para “reforçar o orçamento doméstico, que andava bem debilitado!!” (prepare-se para tornar a ler esta frase, muitas vezes mais, nestas séries).

Meu pai, João, “tio João” para todo mundo, era funcionário público estadual. Antes, havia trabalhado como carregador braçal de areia, extraída do rio Moji Guaçu. Sapateiro. Oleiro. Operário. Servente para serviços gerais de limpeza, na Escola Artesanal, e finalmente, Almoxarife, quando a Escola Artesanal transformou-se em Ginásio Industrial Estadual de Porto Ferreira/SP. 

Minha mãe, Edna, do lar, fazia tricô manual nas horas vagas, para ajudar no orçamento doméstico, que andava sempre debilitado!! Tiveram quatro filhos, e eu fui o terceiro desta prole saudável e abençoada.

Ela foi grande companheira do meu pai, e graças ao seu companheirismo inabalável, puderam atravessar todas as tempestades que a vida lhes impôs. Sempre juntos, saíram-se vitoriosos em todos os desafios do cotidiano.
Missão cumprida” (seu epitáfio). Sejam honradas suas memórias e gratidão pelas suas vidas!! 

Paralelamente às obrigações de criar os próprios filhos, o destino reservou-lhes a missão de ajudar a criar mais 12 sobrinhos, que, por motivos fortuitos da vida em família, ficaram sob suas responsabilidades e do tio Tunim. 

Ressalvo que, meu avô paterno, antes de morrer, chamou meu pai, um menino de apenas 8 anos de idade, e disse-lhe, no leito de morte:
Tu és agora, o chefe da casa!! Cuida de tua mãe e de toda família!! 

A primeira providência para poder cumprir a promessa, foi sair da escola (segundo ano primário) e começar a trabalhar na fazenda em que residiam, e depois, a sequência acima descrita. 

Este homem, de quem me orgulho imensamente e dou graças a Deus por ter sido meu pai, cumpriu, integralmente, a promessa feita ao meu avô no leito de morte, e, mesmo antes de falecer, já havia nos encaminhado dignamente, a nós, os seus filhos, e a todos os seus sobrinhos. Tod@s transformaram-se em cidadãos descentes e pessoas de bem. Constituíram famílias bonitas e abençoadas. Gratidão, pai!!!

E nem falei nada sobre os movimentos humanitários de que ele participava como “voluntário“, para ajudar pessoas pobres, excluídas e carentes. Já naquela época!!! Pretendo escrever sobre isso também, afinal, foi meu primeiro contato com o trabalho voluntário. 

Creio que já perceberam esta história de “orçamento doméstico debilitado, né?!“. É que, com uma enorme família para sustentar, a vida não era nada fácil, mas caminhava-se, sem cessar. Nada de desânimo!! 

Tanto é verdade que éramos uma família muito alegre e divertida. Dávamos boas gargalhadas, quando estávamos juntos, sempre em volta de meu pai, que se caracterizava pelo excelente bom humor. Era o polo de união de tod@s!! Inigualável contador de anedotas. Homem iluminado, podem crer… 

Mas, conforme já falei anteriormente, um dia, mais no final da década de 60, resolveu engordar porcos, para ajudar no orçamento doméstico, que andava debilitado. Era preciso encontrar outra fonte de renda, urgente!! A grana “tava” curta!! Curtinha… 

Primeiro, formalizou uma parceria verbal com meu tio Tunim. Construíram um mangueirão para porcos, com umas baias para engorda, e começaram o empreendimento. Não me lembro quantos eram, mas lembro-me de que fui com eles, buscar os porquinhos pioneiros. 

Grande problema: Não havia dinheiro para comprar o trato diário dos suínos, embora já houvesse um tipo de ração própria para porcos, era tão cara para nossos padrões financeiros, que logo foi descartada!!
Solução: “Ajuntar lavagem para engordar porco“. 

Operacionalização: Uma charretinha com um tamborzão amarrado atrás do banco. Uma eguinha acastanhada, bem mansinha, a quem nomeamos Boneca. E muita criatividade!! Revejam a crônica:
Dialogando com meu cavalo
https://www.agazetadelavras.com.br/dialogando-com-meu-cavalo/

Mão de obra: Eu e meu primo Zé (Antonio José), filho do tio Tunim. Sim, muita criatividade, porque meu pai arrumou um montão de latas vazias de “Margarina Matarazzo” (quem se lembra da margarina Matarazzo em lata??!!). Fez tampas ajustadas, recortando caprichosamente outras latas, e as distribuiu para tudo quanto era residência conhecida, em Porto Ferreira.

Havia uma recomendação:-“ajuntem a lavagem, que será recolhida todas às segundas, quartas e sextas-feiras, sem falta!!”.
E para completar, pediu autorização da prefeitura, para podermos arrancar manualmente o capim cariru e as aboboreiras, que cresciam espontaneamente no depósito de lixo municipal, onde hoje é o campo de futebol society do Clube de Campo das Figueiras. 

Todas às segundas, quartas e sextas-feiras, eu e o Zé, percorríamos de charretinha, toda a cidade, ajuntando a lavagem, e também, após, íamos arrancar massa verde, no depósito de lixo da prefeitura, para completar a alimentação dos suínos. Que disposição… 

Pena que o tio Tunim , logo, logo, desistiu da parceria, porque entendeu que não estava valendo a pena, tanto esforço.

Mas, mesmo assim, meu pai decidiu continuar sozinho, a suinocultura rudimentar. Assumi, com 11 anos de idade, por livre e espontânea vontade, todas as funções de lavageiro oficial da paróquia“. 

Também, espontaneamente, assumi, sozinho, as tarefas diárias de alimentar e cuidar dos animais do novo mangueirão, bem como das baias de engorda, agora, construídos nos fundos do nosso terreno, logo abaixo do Corguinho.
Seria esse, mais um contato com o trabalho voluntário??!!

E o pomar? Continuei patrulhando sistematicamente, com formicida em pó e todo cuidado do mundo. Repito, seria esse cuidado e as preocupações com o veneno, o despertar de um socioambientalista?!

Na verdade, já havia me transformado, a partir de 9 anos de idade, sem saber, em agricultor familiar, pequeno criador, trabalhador voluntário e socioambientalista“. Agora, “bem mais velho“, ou seja, com 11 anos de idade, apenas a confirmação, embora ainda sem saber. 

Aproveitando-se do desnível do terreno, construímos o novo mangueirão abaixo do Corguinho. As baias, de alvenaria, passaram a ter muita água corrente 24h por dia, então, adotaria a primeira prática da história da humanidade (uhh!!!), que seria aquela de lavar (esfregar com vassoura de piaçava) os porcos de engorda, e desinfetá-los com diluição de Creolina em água, todos os dias.
Seria eu, o precursor do estudo do conforto animal??!! 

Só sei, que, os porcos gostavam muito e chegavam até a dormir, enquanto eram esfregados. Que mordomia, hem porcada??!!

Lavava as baias todos os dias, quando aproveitava para esfregar os porcos em engorda, desinfetava tudo com diluição de Creolina em água, e a cada 6 meses, passava uma mão da caiação em todas as instalações. 

Minha recompensa: quando algum visitante comentava:ué, tio João, este chiqueiro não tem moscas e nem cheiro!! Tá tudo tão limpinho!!!
Ah!! que felicidade ouvir aquilo…!!!
Aqui, uma frase magistral do Prof. Fialho, do DZO/UFLA:
O animal é suíno, porco é o dono!!“.

Mas, quando era dia de abater os porcos cevados, eu sumia dos arredores!! Nunca, jamais, ajudei a abater qualquer animal.
As experiências em ajudar a curar castrações infeccionadas de porcos e porcas, com salmoura, Creolina e Fucsina (lembram-se delas?), são dignas de relato. Eram as famosas bicheiras infeccionadas.

Na verdade, era uma ação manual de lavar e retirar os vermes desenvolvidos, nas fístulas inflamadas. Usávamos uns estiletes de bambu e muito controle para não vomitar de nojo. O cheiro era de ovo choco podre, ou algo bem mais fedorento, se existir!! Arghh…!! 

Fazíamos os curativos assim mesmo, e foi aí que aprendi, que orgulho e vaidade são piores que bicheiras inflamadas. Por favor, releiam:
É no Laboratório de Análises Clínicas que o Orgulho e todas as Vaidades Humanas são Confrontados
https://www.agazetadelavras.com.br/e-no-laboratorio-de-analises-clinicas-que-o-orgulho-e-todas-as-vaidades-humanas-sao-confrontados/ 

Plantamos uma pequena área com cana-de-açúcar. Nunca mais fui ao lixão arrancar cariru e abobreiras (aboboreiras). Eventualmente, picava a facão, um feixe de cana para os porcos, para a égua e seu potro.
A charretinha foi substituída por um tratorzinho marca Internacional, três cilindros, a gasolina. 

Duvido que, hoje, encontre-se um veículo parecido, fora dos museus de veículos antigos. Sé vendo mesmo. O motor ficava à esquerda do tratorista. Coisa de louco…Eu, 12 anos, tratorista!! Eu era muito feliz…

O tambor para coleta da lavagem foi adaptado em uma pequena plataforma de madeira, ajustada no hidráulico para implementos agrícolas com terceiro ponto, que há muito havia deixado de funcionar. Quem projetou e construiu: João Tavares, meu pai, meu herói!! Que saudades do meu “velho” (ele dizia:-velho é trapo), que saudades, querida mãe!!

O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem!”. Guimarães Rosa

Na próxima semana, continuaremos o assunto. Aguardem!!!

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