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II-A necessidade faz o sapo pular  (Segunda parte)

 Considerando-se que na última matéria, encerrei a série de cinco crônicas, denominadas: Meu pai comprou um terreno. Nascia um agricultor familiar socioambientalista apaixonado e voluntário“, e iniciei, imediatamente, a nova série: “A necessidade faz o sapo pular“. Então, esta crônica, já é a segunda matéria da nova sequência que virá.

A experiência e a tentativa de reforço orçamentário doméstico, com “Produção caseira, manuseio, embalagem e venda de Beijus“, relatadas na matéria anterior, conforme mostramos, não deram certo.
Porém, desanimar, jamais…

Algum tempo depois, meu pai apareceu em casa com um “canhão medieval“.
Ops!! calma, eu explico!!!!

Ele tinha adquirido um estranho equipamento para produção de “pipoca japonesa“, que rigorosamente, se parecia com aqueles canhões medievais inativados, que aparecem apoiados nas muralhas de castelos antigos, apontados para os oceanos. 

Era um tubo de ferro fundido vazado de 1m de comprimento. O diâmetro externo media aproximadamente 25 cm, e o diâmetro interno, uns 20 cm. Numa das extremidades do tubo, o furo estava lacrado com solda, e na outra extremidade, havia uma tampa escamoteável. As duas extremidades estavam assentadas sobre mancais ou buchas, que permitiam ao tubo girar, sem que saísse do lugar. 

Para girar, havia uma manivela manual, fixada na parte lacrada do tubo. Tudo estava posicionado em cima de uma plataforma, que era uma armação de cantoneiras estreitas, como um pequeno andaime de quatro pernas, que continha os dois mancais. Isso mantinha-o horizontalmente, a uns 40 cm do chão. 

Acompanhava a estranha engenhoca, um maçarico a querosene, que era posicionado, quando aceso, bem abaixo e bem no meio do tubo, aquecendo-o, constantemente, enquanto girava. 

Pelo lado escamoteável, cerca de 1Kg de milho canjica era colocado dentro do tubo, que era em seguida, tampado. 

Com o maçarico aceso e posicionado, o tubo era girado manualmente, e lentamente, pela ação da manivela. Vinte minutos depois, a tampa era aberta e: Buuuummmm….Explodia e lançava violentamente a canjica, agora, na forma de pipoca, para fora, contra uma parede. 

Era como o disparo de uma “espingarda de carregar pela boca“. Lembram-se dela?! Quem quiser comparar com um arcabuz, pode… Canhão medieval? Também…Buuummm…. 

O barulho da explosão era considerável, e algumas horas após as primeiras experiências precursoras, para produção das pipocas, apareceu lá em casa, o Franzoni.

Franzoni era um policial antigo da cidade, considerado verdadeiro patrimônio do município, por ser muito conhecido e muito querido por tod@s os munícipes.
-Seo João, vim ver o que está acontecendo. Falaram que o Sr. está dando tiros com arma de fogo, dentro de sua casa!!! 

A solução foi mostrar para o Franzoni, como se produzia a tal pipoca japonesa. Mas, evidentemente, concluiu-se de que era necessário tranquilizar os bons vizinhos que tínhamos, bem como a todo o entorno residencial. Assim foi feito!! 

As pipocas explodidas eram recolhidas em uma enorme bacia, onde recebiam um banho de xarope diluído e adocicado. Uma delícia… Em seguida, eram acondicionadas em pequenos saquinhos de papel, para serem comercializadas. 

Os exteriores destes saquinhos, eram decorados com carimbos, produzidos com tiras de sandálias havaianas descartadas, coladas em toquinhos de madeira, para empunhamento. A tinta era de caneta tinteiro diluída. As imagens carimbadas, pareciam pequenas avencas. Quem “bolou tudo? João Tavares, meu pai, meu velho (Já sei, já sei:-velho é trapo). 

Mas, dava um trabalhão carimbar aquilo tudo, além do trabalho insalubre de produzir as pipocas. Às vezes o carimbo borrava-se. Às vezes, ficava desuniforme, feio. E, a ação de carimbar, foi abandonada. 

Por falar em trabalho insalubre, quero agora exaltar o companheirismo inabalável de minha mãe, que além dos afazeres domésticos diários, girava aquela manivela, sob calor extenuante do maçarico, e do cheiro intragável do querosene. Lembro-me do suor em seu rosto. 

E ainda, adocicava a pipoca na bacia e ajudava a ensacar o produto. Depois, limpar tudo para a produção seguinte. Meu Deus…
Enquanto usou-se carimbo, ajudava a carimbar, também. Meu Deus…
Eu queria mesmo, era encontrar palavras para agradecer a meus pais. Todavia, todas as palavras que tenho encontrado são insuficientes.

Resumo tudo em uma única expressão: muito obrigado!!!
Se a única oração que disser em toda a sua vida for muito obrigado, será o bastante”. Meister Eckhart. 

Era preciso encontrar alguém de confiança, para vender as pipocas. Afinal, a experiência anterior com os beijus e o vendedor Dito, foi no mínimo desastrosa. O pulo do sapo, que era para ser pulo do gato, no final das contas, virou  gato escaldado…ou seria sapo escaldado??!!
O tio Irineu, irmão de minha mãe, foi convidado e aceitou. 

Ele era uma pessoa muito honesta (já falecido) e se enquadrava direitinho nessa história recorrente de “orçamento doméstico debilitado“. O dele sempre estava debilitado também. Uma graninha extra, certamente, seria bem vinda para ele. 

A título de curiosidade sobre o tio Irineu (Neu para os familiares), ele era uma pessoa maravilhosa. Tinha o coração muito maior que a razão. Respeitado pai-de-santo no candomblé ferreirense, nas horas vagas, gostava de atuar como pedreiro “meia colher” e “eletricista doméstico“. 

Porém, como pedreiro, não usava esquadro, nível e prumo. Quem se lembrar da torre inclinada de Piza, pode imaginar como eram suas construções. Como eletricista, quase incendiou sua casa, durante uma reforma da rede elétrica, quando fechou um curto circuito descomunal, ao unir eletricamente, a fase com o neutro, numa tomada benjamim!! 

Minha avó materna, Vó Benedita, ao contar o acidente para meu pai, detalhou:
-João, quando o Neu ligou o benjamim, deu um estouro tão forte que o fogo corria pelos fios de todas as instalações da casa!!
Informo que toda a instalação elétrica da casa teve de ser substituída, evidentemente, por um eletricista de ofício. 

E voltando ao assunto das pipocas japonesas, candidatei-me como vendedor auxiliar voluntário. Minha primeira experiência como vendedor de pipocas, foi no campo de futebol do Porto Ferreira Futebol Clube. Numa tarde de domingo inteirinha, vendi apenas um pacotinho… 

Embora garoto, concluí que era péssimo vendedor e só voltei ao campo de futebol, nos domingos seguintes, para arrumar encrenca com outros meninos, como costumava fazer regularmente.

Numa dessas escaramuças de moleque, tomei um soco no peito, que perdi o fôlego. A sorte que meu primo Zé (o da charretinha) socorreu-me e livrou-me de uma surra histórica. Gratidão Zé… 

A bem da verdade, aqui, devo lembrar-me da tia Hercília, irmã de meu pai, que várias vezes, colocando a sua mão esquerda para trás, na altura da cintura, e com o dedo indicador da mão direita em riste, na altura do meu nariz, dizia-me: -Você é brasa encoberta. Será??!!
Somente no juízo final, isso será esclarecido. Aguardem… 

Mas, não abandonei a ideia de vender pipocas e fui, nas tardes/noites, vendê-las na “praça da fonte luminosa” ao lado da igreja matriz. Lembro-me de que numa destas tardes/noites, aproximou-se um senhor com feições bem orientais e me perguntou:
-O que você está vendendo?
Respondi:-Pipoca japonesa!!
Ele redarguiu:-Ué, eu sou japonês e nunca vi essa pipoca!!

Em casa, contei o fato para meu pai e ele arrematou:
-Se lá no Japão não é pipoca japonesa, aqui no Porto (Porto Ferreira) é, e pronto!! Para mim, assunto encerrado: Pipoca Japonesa!!! 

Uma outra vez, aproximou-se um grandalhão e pediu um pacotinho. Eu entreguei. Ele comeu até o farelo final e quando estava indo embora sem pagar, eu reclamei:
-O moço, você não me pagou.
Ele retrucou:-E nem vou pagar. Eu pedi e você me deu!!
Eu reagi:-Você fala assim, porque eu sou pequeno. Se eu fosse grande, você não falaria assim...
Ele:-Tá bom, então eu vou pagar.
E pagou. Fiquei feliz da vida em enfrentar e convencer aquele “bruta-montes“.

Alguns meses depois, meu pai encerrou a aventura com a pipoca japonesa, com uma frase marcante: –Não dá nem pro fumo.
(frase regional que significa não ter arrecadado o mínimo suficiente para, pelo menos, custear as despesas inerentes à atividade)

Nunca mais vi aquele estranho “canhão medieval“, que disparava pipocas.

“Nos tempos sombrios
se cantará também??
Também, se cantará
sobre os tempos sombrios!!”.
[Bertold Brecht]. 

Na próxima semana, continuaremos o assunto. Aguardem!! 

(Acessem as crônicas anteriores, clicando na franja “Blogs e Colunas”, acima do título da matéria atual. Em seguida, pode-se clicar na franja “Próxima página >”, no rodapé da página aberta, para continuar acessando-se mais crônicas anteriores).

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